22/12/2007

À 2008, as batatas


Que inciemos o ano de 2008 entendendo que algumas verdades ditas por nós, podem mudar. Que nem todas as réguas são estritamente retas. Que o absolutismo e a rigidez exercidas ao longo de um ano em que "temos que ter o total controle sobre todas as situações" não colam mais. Que saibamos administrar no calor do momento e na euforia instantânea os acontecimentos diários. Que nos programemos menos e vivamos mais. Que deixemos de lado a pieguisse que nos circunda e partamos para o novo. Que demos mais o "último respirar, antes do mergulho profundo". Espero que nos envolvamos mais com a nossa própria existência e esqueçamos um pouco os nossos vizinhos.

Que tenhamos de menos, mas que aproveitemos aquilo que perdemos, demais. Que memórias sejam criadas. Que, sem falsas modéstias, aceitemos sorrindo bem bobões àquilo que por ventura cair em nossas mãos e que procuremos menos explicações para o andar da carruagem.


Enfins. Encerro este post em clima de 3, 2, 1, mesmo sabendo que ainda falta uma semana para a virada do ano. O clima quente e o sumiço das pessoas nas cidades já começam em demasia a me colocar diante de um novo ciclo.


E, sabendo que não corro o risco de me tornar repetitiva, desejo um ano de amor e de muitos motivos pra dar risadas. Mesmo os mais incompreendidos. Tendem a ser os melhores...


*


(...)

"E achei que o amor mentia, e que o meu anjo

Era apenas mulher! chorei! deixei-a!

E aqueles, que eu amei co'amor d'amigo,

A sorte, boa ou má, levou-mos longe,

Bem longe quando eu perto os carecia.

Concluí que a amizade era um fantasma,

Na velhice prudente - hábito apenas,

No jovem - doudejar; em mim lembrança;

Lembrança! - porém tal que a não trocara

Pelos gozos da terra, - meus prazeres

Foram só meus amigos, - meus amores

Hão de ser neste mundo eles somente."



Gonçalves Dias


13/12/2007

Estrelas

Mais dois passos. O vento nem estava tão frio. Ele notou que as estrelas refletiam na água. Achou que isso era meloso demais para o momento.Resolveu tomar mais um gole da garrafa de vodka, depois do gole um cigarro. Eram só dois passos. Talvez aquele tenha sido o melhor cigarro da sua vida.Largou a garrafa e, ao lado, os cigarros e o isqueiro. Deu os dois passos e se jogou da ponte.

09/12/2007

Sonho Hipócrita


O sonho de toda mulher é ter filhos. Quem disse? Quem generalizou a questão a tal ponto? A mulher, desde os primórdios de sua existência, sempre esteve na condição de mãe, de poder gerar outro ser, assim como o homem sempre esteve na condição de "ajudar" decisivamente a mulher nesta tarefa. Agora, passar de condição à afirmação categórica sobre os objetivos femininos, isso é forte.


A legalização do aborto também é algo forte. E importante. A população geral não vê pontos positivos nesta discussão sobre vida e morte, sonhos e riscos, querer e poder. Só vêem o feto - muitas vezes nem formado ainda - que não virá ao mundo, no "assassinato" de uma pessoa, sem falar na banalização que seria "legalizar a morte". Bobagem. Há coisas bem mais importantes a se questionar - não ter planejado a criança, não ter estrutura para recebê-la e criá-la, estar em um momento impróprio para ter um filho, não gostar de bebês, ou até questões mais sérias, como ser estuprada e nem imaginar como seria parir um ser daqueles (naquelas condições).


Os lados da moeda existem e, felizmente, cada vez mais mulheres - e também homens - defendem a idéia da escolha, da liberdade, da autonomia. Um filho pode ser (como tantas vezes é) um plano, um sonho para o futuro. Mas e se o futuro vira presente e os planos de agora são substituídos por uma criança indesejada? A mulher não é realmente obrigada a dar continuidade a algo que não deseja; é assim em tantos momentos de sua vida, não há argumentos suficientes paa ser assim neste ponto.


Resta o governo atual (ou o próximo, ou o próximo, ou o próximo ainda...) acabar com as frustradas discussões alheias de uma vez e decidir se a legalização sai ou não sai para o Brasil. Muita filosofia já cercou toda essa polêmica, muita besteira já foi falada, chega. Já é hora de acabar com os riscos que mulheres sem condições de ir em clínicas boas sofrem ao querer parar sua gravidez. Não é o sonho de toda mulher ter filhos, principalmente quando a transformação interior não é para o bem. Chega de hipocrisia.

04/12/2007

(sem título)


Não chega no que se escolhe
Não admite o que se comprova
E nega o que compreende

Nada importa o que confessa
Nem domina o que compensa
Nem define o que defende

Morre, e não se encontra.

26/11/2007

Alice e a Flor

Deitada sobre a grama verde e molhada, Alice respira com força. Às vezes ela faz isso para sentir seus pulmões inchando e ter certeza que ainda tem algum controle sobre seu corpo. Ela se vira de bruços e gruda o nariz na grama, gosta do cheiro de terra molhada, confere-lhe uma sensação de liberdade. De repente, como se tivesse levado um susto, Alice se senta e começa a encarar uma flor. Vermelha, suculenta, mas sem cheiro... "Como é linda!" Pensou amargurada. Alice olha para a grama e sorri. É um sorriso de compaixão. Com um movimento rápido, Alice arranca, amassa, joga a flor no chão e sai correndo. Ainda dá pra ouvir ela gritando: "Bem feito!".

13/11/2007

Separação

- Carlos?
- Macedo! Nossa, que bom te ver, cara!
- Mas por onde você andava, Carlos? Nunca mais te vi por esses lados...
- Pois é, aconteceram alguns problemas...
- O quê, Carlos?
- Bobagem, Macedo...
- Não, fala. Pode falar, que foi?
- Não, deixa quieto, vamos tomar uma cerveja e relembrar o passado que vale mais a pena...
- Ih, Carlão... Vamos então, mas diz o que houve.
- ... Eu me separei, cara.
- Ah não!
- É... Anos de...
- Não, espera. Já sei tudo. Aquela vagab...
- Quê? Não, peraí...
- Peraí não, Carlão. Agora que vocês se separaram, eu já posso te contar. Afinal, somos amigos, né?
- Ô, desde o colégio.
- Então, Carlão! Vai por mim, ela não valia nada!
- Como assim? Você tá falando da minha...
- É, da tua ex! Esquece ela, Carlos. O que mais tem é mulher por aí, sobrando.
- Não, não é bem assim, Ma...
- Cedo ou tarde, ia acontecer, Carlos. As mulheres só pensam no dinheiro. E convenhamos, competir com o Almeida, diretor de empresa...
- O Almeida, meu vizinho?
- É, aquele da casa com piscina. Nossa, pensando bem foi bem melhor que vocês se separaram, a Claudinha e o Almeida se merecem.
- Mas a Claud...
- É, Carlos. É a vida. Se você quer a minha opinião, eu acredito que o amor foi inventado pelo Roberto Marinho pra ganhar dinheiro com novela.
- Acho que você não ent...
- É, o amor não existe. Não existe. Pode ter sido uma invenção da mídia fonográfica. O que mais tem aí é canção de amor. E de dor de corno então...
- Corno?
- Ah, Carlos, nós somos amigos de longa data, e agora que vocês não estão mais juntos eu precisava te dizer o que metade da rua já sabia e a outra metade desconfiava.
- ...Oi?
- Oi, Carlos. Senta. Garçom, uma cerveja. Que foi, que você tá me olhando com essa cara, Carlos?
- Fala.
- O quê? Do Almeida?
- Que que tem o Almeida?
- É, quando a firma de vocês trocou de escritório e alugou uma sala longe do Centro.
- Sei.
- Então... você chegava mais tarde em casa, e o Almeida...bom, você sabe o resto.
- Eu não sei.
- É, eu sei que é difícil aceitar, Carlos, mas era verdade. A Claudinha não vale nada. Como você demorava mais pra chegar em casa, ela tinha mais tempo...digamos, disponível. Aliás, são 4 da tarde... Não era pra você estar com o seu sócio lá na firma?
- Macedo.
- Quê?
- Eu me separei do meu sócio, cara.

07/11/2007

O Preferido

Tinha que matá-lo. Todos os filhos-da-puta que passavam por aqui preferiam ele. Olhavam pra ele. Sentiam pena dele. Davam comida pra ele. Até mesmo sorriam para ele. Quando passavam por mim torciam o nariz. Parecia que estavam sentindo cheiro de bosta. Nem olhavam. Comida nem pensar. Só um dos dois poderia continuar. Por isso tinha que matá-lo.
Juro que não o odiava tanto quanto as pessoas que passavam. Os homens de terno. Falando difícil, pelo menos pra mim era difícil. Barbeados, cabelinho lambido. Jeito de quem engana todo mundo. Tinham cara de quem acabaria deputado. As mulheres sempre de salto. Roupinha combinando.Narizinho empinado. No fundo, eram todas putas. Mas já que eu não poderia matar os homens e as mulhres eu tinha que matar ele. E eu já estava cansado. Não aguentava mais roubar seus restos, quando havia restos. Eu não queria ficar abaixo dele. Queria que as pessoas me ajudassem em vez dele, que me olhassem como olhavam pra ele, só isso estava bom.Então matei. Foi numa noite de inverno. Eu estava passando um puta frio. Foi com uma pedra. Ele estava dormindo. Acho que nem sentiu. Ainda lembro daquele sangue gosmento escorrendo. Agora não tem mais cachorro nenhum, só eu.

*As críticas serão bem aceitas.

02/11/2007

Ponto-final da Vida*



Todos deveriam usar o magnífico ponto-final. Todos. Ele é uma espécie de herói não-reconhecido, uma velha personagem clichê de um conto frustrado. Não se dá importância a ele, mas ele está sempre lá, aguardando para salvar as estruturas mal-feitas e as idéias mal-formuladas.
De maneira geral, as pessoas não se suportam, atualmente; basta notar que a maioria delas utiliza fones de ouvido em seu percurso casa-universidade, universidade-trabalho, enfim. E tudo isso, todo esse problema de socialização, ocorre por que não se usa tanto o recurso do ponto-final quanto deveria. Passa-se *horas* tentando dizer algo que, com o poderoso ponto, diria-se em minutos, assim, resumidamente. Ele nos diz em uma frase o que diríamos em parágrafos. Em pelo menos três deles.

Nos textos escritos, a falta do ponto-final causa problemas seríssimos de incompreensão no leitor. Histórias que são escritas em quatro ou cinco parágrafos e que se dá para contar nos dedos de uma mão os pontos bem utilizados. E como o leitor fica? Não fica. Não entende. Ou melhor: esquece o texto em dois tempos.

Nos textos falados, a situação pode piorar. As mais diversas brigas e discussões poderiam ser evitadas se tivesse-se um ponto de referência geral – o ponto-final da vida. Diga o que você quiser realmente dizer em uma frase apenas [ponto]. Não enrole [ponto]. Não subestime a atenção alheia, seu namorado vai compreender sua fala de três palavras [ponto]. Ponto pra vida! “Dois pontos”.

Então, que se dê a atenção merecida aos pontos-finais das frases da vida. Talvez o ponto não seja necessariamente um final, mas sim o início de uma fase menos subjetiva e impessoal. Nos textos e relacionamentos, pontos. Ponto.

*mais um texto escrito para mais uma aula, mais uma vez

31/10/2007

Sentido

O calor de minha respiração contrastando com o frio que a chuva promove lá fora. Essa mistura embaça as vidraças e eu tento passar o tempo escrevendo palavras soltas com a ponta do dedo. Não adianta, por mais que eu tente esquecer aquele lugar não sai de mim. Aquele lugar que teima em aparecer nos meus sonhos e que, em momentos de vigília, atormenta meus pensamentos. Por que algo pode me deixar tão feliz quando estou ausente de mim e tão machucado quando consciente? Acabo de perceber que as palavras que escrevo são de um sistema que eu não conheço, mas eu sei que elas têm significado, pois pra mim elas fazem tanto sentido, um sentido tão louco, que eu poderia adaptá-las à minha necessidade. Só que elas machucam, elas incomodam, elas lembram o lugar que eu queria estar e que eu não sei onde está, nem mesmo como é. Conheço apenas a sensação de dormitar entre nuvens e ondas e fogo, um desejo imenso que aquele lugar tem. Queria viver lá, mas não acho. De noite, sem abrir os olhos, tento tatear em busca de alguma pista que me faça reconhecê-lo quando acordado. Para que, quando eu passe caminhando por lá, eu saiba que é o que procuro. Entretanto, de manhã, já não lembro as pistas que criei, sobra-me apenas a sensação, e eu sei que ela não é igual durante o dia, não adianta procurar.

*olá, velhinho!

25/10/2007

Um conto mofado* ou Sobraram dedos

A música tocava e ela não sabia dizer o que era. Talvez Jazz, quem sabe um daqueles cd's de relaxamento, não importava. Tudo o que queria era fazer uma pergunta a ele:
- Você acha que sabemos quando vamos morrer?
- O quê?
- É, quero dizer, você já sentiu em algum momento que iria morrer?
- Que pergunta! Claro que não. Se tivesse sentido, estaria morto e não aqui, com você, escutando essa ladainha.
- Pois eu acho que somos capazes de prever, nem que seja por uma fração de segundo, quando vamos morrer. E digo mais, em se tratando de tempo, eu acredito que minha morte pode acontecer a qualquer momento.
- (Ele ri) Você está louca! É melhor parar com esse pó antes que você cheire, se engasgue e morra na minha frente, fazendo com que eu acredite nas suas profecias descabidas!
(E procura ar pra se recompôr das palavras que acabara de ouvir dela.)
- Você está na mesma que eu.
- É, mas não estou sentado em um sofá laranja pregando a minha morte para quem quiser ouvir. Levante-se daí e me ajude a escolher outro som.
- Esse aí.
- Âhn?
- Esse aí que está no chão. O cd com capa colorida que eu te trouxe há séculos.
- Qual? Este aqui?
- É. Não, o do lado.
- Você acredita que as músicas possuem alguma espécie de mensagem oculta por trás daquilo que ouvimos? Jogue o isqueiro, por favor.
- Você diz, uma idéia subliminar?
- Quê?
- Uma mensagem que só pode ser captada se estivermos em um estado alterado de percepção?
- O quê? É, pode ser. Talvez seja isso que eu esteja pensando. Você não acha que... Esquece.
- A nossa morte pode aparecr na nossa frente neste mesmo estado de percepção que eu mencionei. A tal fração prévia de segundo, o momento final que...
- Tá bem, você tem razão. Agora me diga, o que você preferiria nesse momento: saber quando e como vai morrer ou descobrir o significado oculto por trás de uma música que esteja ouvindo?
- (Ela ri) Como se uma anulasse a importância da outra. Morte e Música, ambas começam com M e ambas nos fazem delirar sobre seus propósitos. Louco, não?
- Hmmm...
- Ah, esquece. Preciso de mais pó. Você tem?
- Aqui.
- Será que vão sentir a minha falta quando eu morrer?
- Eu vou. Mas acho que se começarmos a contar as pessoas, sobrarão dedos.
(Os dois desabam no tapete peludo no canto do quarto.)
- Tá ouvindo?
- O quê?
- Nada. Achei que tinha escutado o John dizer "Yes, he's dead" no final da música.
- Não é agora que começa o Revolver?
- Acho que é.
- Faz sentido.
- O quê?
- Garanto que para ele faltariam dedos.
- Quais dedos?
- Esquece.



*como os morangos, de Caio F.

22/10/2007

Engano


Acordou e fez um café. Morava sozinho havia dois meses e ainda não se acostumara com a solidão obrigatória, que o deixava sem saída. Ligou a tv, e depois o computador. Colocou o Chico Buarque pra cantar na vitrola e desligou a tv. Olhou pela janela, observou o movimento dos carros e quase jogou o café que bebia de volta na xícara, tamanho o susto que levou quando a viu na frente da casa dele, num telefone público. Ela olhava pra cima, tentando encontrar alguém, e ele desconfiava de que esse alguém estava olhando pra ela, nesse exato momento, de pijamas, xícara de café na mão, com fundo musical de Chico Buarque. "Será que ela quer falar comigo? Não, deve ser coincidência...", ele pensava. Mas parou de pensar, porque quando o telefone começou a tocar, sua xícara quase caiu no chão.

Deixou o café sobre a mesa, tirou a agulha do Chico e ficou encarando o telefone. Correu pra janela, lá estava ela. Olhando pra cima. Ele olhou pro relógio, depois pro telefone, depois pra xícara de café sobre a mesa. Bebeu o último gole, desligou o computador, uma rápida olhada pela janela e foi dormir de novo."Não, não deve ser..."

3 andares abaixo, ela desistia.