29/06/2008

Você e Só

Abstrato e sorrateiro, você sofre. Nunca dante atravessado caminho mais longo do que aquele que o leva a si próprio. Não era mais o mundano e o óbvio que o cercavam de um mim cada vez mais distante. Na companhia somente e unicamente de seus pesares, você se vê por fora e envolvido em uma dura capa de cristal; quebrado, trincado, como você já não nega mais o ser também. Seu sexo se desfez e você definitivamente perdeu o rumo de uma cama acalorada balançando-se em uma tentativa irrisória de intimidade consigo mesmo. Você se desligou de sua lúcida resposta a pensamentos corrosivos e diluentes. Não veste-se mais para ninguém. Você já não se importa em cariar os dentes ou cortar os cabelos. Na vida, há momentos em que é preciso parar, mas você não sabe ainda disso, talvez demore para chegar lá. Você sempre quer chegar lá. Ainda não sabe que uma hora é preciso parar. Quem sabe quem pode levar-te em união eterna para qualquer lugar? Você cansa. Só de pensar.

23/06/2008

1


Sem desembaraço

A moça observa a lua

E diminui o passo

16/06/2008

Contos Múltiplos III - Final 1

- Eu tenho medo de ficar cego.

- Eu também.

- Não, eu falo sério.

- Você não tem motivos pra isso.

- Pra falar sério? Escuta aqui Luísa, quantas vezes eu já te disse...

- Não tem motivos pra ficar cego, Alan. Quantas vezes EU já te disse pra escutar o que eu
falo até o final? Depois você fica aí, chorando a...

- Ta, ta, chega. É só que eu tenho medo de ficar cego.

- Mas você não tem motivos para isso!

- E que motivos teria eu pra te contar sempre a verdade?

- Não é essa a questão, Alan. O problema é que...

- O problema é que você nunca deu importância pros meus problemas, Luísa.

- Então me conta, de onde surgiu essa idéia de ficar cego?

- Não é de ficar cego, é de ter medo de ficar cego.

- Eu tenho medo de ficar grávida.

- Não desvirtua, Luísa!

- Não, eu falo sério.

- Você não tem motivos pra isso.

- ...Pensando bem, é verdade. Não tenho motivos pra isso.

- ...

- ...

- Você está grávida, Luísa?

- E você está cego, Alan.

15/06/2008

Dos chãos


Eu a pintaria de preto-e-branco se fosse um meio-fio. Não enfeitaria com canteiros, nem folhas e placas. Mostraria outros chãos mais asfaltados por onde passar, desviando daqueles projetos de buraco que tanto a incomodavam quando eu acreditava que estávamos juntos, e seria exatamente assim que ela correria o risco de se aventurar por um mercado que não é só seu. Talvez colhesse algumas picadas pelo caminho, algumas sangrariam muito, outras simplesmente não.

Seria das definições apenas uma pro vazio em que você se encontra, e eu sei que se encontra. Finge que não, mas sente que talvez, sim, com certeza, sim, nessa forma de não sentir as coisas, nem os passos, nem os semáforos. Muito menos os sinais vermelhos, antigamente apodrecidos no reflexo dos seus olhos. Você não se enxerga. E o pior mesmo é não se enxergar nem no espelho do seu quarto, na imagem sombreada do monitor, na taça do restaurante de Berlim, São Paulo ou da esquina. Tenta – sempre tenta num desconforto que dá pena, ou melhor, não dá, porque, em definitivo, não merece tantos alertas.

Eu não deixaria que a trafegassem, nem que a asfaltassem se não o fosse. Permaneceria sem saída, como sempre fora. Mais uma rua, um chão, só. Não consertaria as imperfeições. Saberia que nunca, ninguém, com dinheiro ou vontade, conseguiria consertá-la. Não haveria um jeito. Como uma velha velhinha de aniversário de quem não teve como conseguir outra: teimosa; e a lágrima no olho que escorre por, pelo menos, tê-la, e poder cantar parabéns, então.
Não há diversões para esse caminho. Nem soluções. Fuja, como eu.

11/06/2008

Lamba seu braço ossudo e descubra que, além de olhos, você também é feito de gostos.