15/06/2008

Dos chãos


Eu a pintaria de preto-e-branco se fosse um meio-fio. Não enfeitaria com canteiros, nem folhas e placas. Mostraria outros chãos mais asfaltados por onde passar, desviando daqueles projetos de buraco que tanto a incomodavam quando eu acreditava que estávamos juntos, e seria exatamente assim que ela correria o risco de se aventurar por um mercado que não é só seu. Talvez colhesse algumas picadas pelo caminho, algumas sangrariam muito, outras simplesmente não.

Seria das definições apenas uma pro vazio em que você se encontra, e eu sei que se encontra. Finge que não, mas sente que talvez, sim, com certeza, sim, nessa forma de não sentir as coisas, nem os passos, nem os semáforos. Muito menos os sinais vermelhos, antigamente apodrecidos no reflexo dos seus olhos. Você não se enxerga. E o pior mesmo é não se enxergar nem no espelho do seu quarto, na imagem sombreada do monitor, na taça do restaurante de Berlim, São Paulo ou da esquina. Tenta – sempre tenta num desconforto que dá pena, ou melhor, não dá, porque, em definitivo, não merece tantos alertas.

Eu não deixaria que a trafegassem, nem que a asfaltassem se não o fosse. Permaneceria sem saída, como sempre fora. Mais uma rua, um chão, só. Não consertaria as imperfeições. Saberia que nunca, ninguém, com dinheiro ou vontade, conseguiria consertá-la. Não haveria um jeito. Como uma velha velhinha de aniversário de quem não teve como conseguir outra: teimosa; e a lágrima no olho que escorre por, pelo menos, tê-la, e poder cantar parabéns, então.
Não há diversões para esse caminho. Nem soluções. Fuja, como eu.

3 comentários:

Unknown disse...

por Deus, tu me impressiona.

Anônimo disse...

que bonito.

=D

por Deus, (tem horas que) tu me impressiona também.

Anônimo disse...

Palavras certas nos lugares certos. Um dos melhores textos (da Munny e do blog) até agora.

E sem ironia, ok?!